sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Coluna: Anacrônico - Conto Soulmates

Consumiam-se eternamente.
Eram os parasitas um do outro, e não sabiam nem queriam mudar essa situação. A necessidade do toque era tão forte, e dava para ver nas mãos, nos ombros, nas pernas, todos se encostando quando não precisavam, e os sorrisos tímidos no começo, sorrisos que logo se tornaram naturais e secretos.Entendiam os olhares, as piadinhas internas, o revirar de olhos, a expressão de desgosto, a risada repentina. Entendiam como se um fosse o outro e os dois fossem um; como se fossem, mesmo, duas partes de uma mesma alma, e acreditavam em almas gêmeas, claro que acreditavam, como não acreditar depois de encontrar a sua?Eles tentavam unir suas almas, tentavam e tentavam, e não importava que fosse impossível, pois as tentativas valiam mais do que a pena. Conheciam tudo e tudo era perfeito; os gemidos, as pálpebras fechadas, os suspiros, os arrepios, a contorção nos dedos do pé, os espasmos, o relaxamento. Sabiam o que fazer e faziam.Sabiam quando havia dor, agonia, preocupação, medo. Sabiam o quanto um abraço valeria, e sabiam quando a solidão era necessária. Sabiam esperar e sabiam estar lá na hora certa. Sabiam, sabiam, sabiam.Mas não previam.Não previam os desentendimentos. Não previam a família, os colegas, o trabalho, o dinheiro, o tempo, o filho, a idade, a desilusão, a morte. Não previam as lágrimas e a depressão, ou o aperto no peito, ou a noite acordados sem dizer nada, ou o dia passado sem olhar para o outro. Não previam o interesse que crescia em outras pessoas que também não previam nada. Não podiam prever a separação, a amargura, a briga, o choro, o arrependimento, a nova separação, o ritual se repetindo. Não previam que a vida os expulsaria, mas que ainda estariam com medo da morte. Não previam o limbo, ou o estado em que nem eles entenderiam onde estavam, o que estavam fazendo, porquê, por quem. Não previam as dúvidas e temores e questionamentos, a paranoia e a idiotice de ambos. Não previam Deus e o Diabo, e não entenderiam se algum deles estava fazendo algo em sua vida, ou se eles mesmos eram as personificação dos dois. Não previam que seriam Deus e Diabo e que ainda se amariam, ainda se beijariam e tentariam reconciliar o criador com o anjo caído, mesmo que não soubessem quem era quem. Não previam que tudo seria em vão, tudo, e que cairiam no mais fundo dos poços e não mais se levantariam.Não, eles não previam nada disso. Mas não importava. Eles sabiam que agora, se amavam mais do que tudo. Agora, eram almas gêmeas.Não previam que, antes de todas as previsões se concretizarem, ambos morreriam em um acidente. E suas almas subiram de mãos dadas, porque almas gêmeas nunca morrem, e porque um momento de amor é mais eterno do que uma eternidade de dor.



Beijos de Sangue,
A. F. Nascimento.
Colunista – Anacrônico.
 

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